segunda-feira, 22 de outubro de 2012

DEPOIS DO CONSELHO EUROPEU


MANTER O ESTADO VASSALO?

Depois do Conselho Europeu da última sexta-feira não há a dizer nada de muito diferente do que tem sido dito de há três anos a esta parte.
 
A Alemanha manda na Europa, impõe as decisões que favorecem ou consolidam os seus interesses sem que ninguém verdadeiramente se oponha. A Alemanha, porém, não actua isoladamente. Mesmo quando as decisões a favorecem mais do que a qualquer outro Estado, ela tem sempre na sua esteira, apoiando-a, a Finlândia, a Holanda e a Áustria, e muitas vezes a Eslováquia e a Estónia, no que toca aos Estados da zona euro. Quanto aos demais, mesmo quando as decisões não lhes dizem directamente respeito, lá estão os velhos aliados a compreender e aceitar as posições germânicas, confiados em que mais vale contar com a sua hipotética “simpatia” do que com a mais que óbvia hostilidade. 
 
A Inglaterra, ou se se preferir, o Reino Unido, não está dramaticamente interessada nesta “guerra”, embora olhe com a tradicional apreensão insular a hegemonia que a Alemanha vai consolidando na Europa continental. Desde que se mantenha uma vasta área de comércio livre e a City não seja ameaçada nos seus interesses, o mesmo é dizer se mantenha intacta a hegemonia do capital financeiro, do qual depende uma percentagem apreciável do PIB britânico, não é de crer que a Inglaterra se envolva nas “guerras” da zona euro mais do que se tem envolvido até aqui. Isto sem pôr de parte a hipótese de os ingleses admitirem que a “implosão” do euro os possa favorecer, embora este seja um raciocínio mais difícil de sustentar.
 
Do outro lado não existe nada. Há Estados vassalos ou a caminho de o serem que têm comportamentos diferentes relativamente à Alemanha, comportamentos que vão desde a pura vassalagem (Portugal), passando pelos que tentam exibir uma resistência institucionalmente pacífica, embora quase sempre inconsequente (Grécia), até àqueles que, tendo entrado na Europa para ser um dos grandes e tendo inclusivamente chegado a supor com base numa errada compreensão da realidade que estavam a um palmo de lá chegar, se sentem ainda atordoados com o que lhes aconteceu e procuram apenas encontrar uma resposta que antes de mais os distinga da situação humilhante em que outros se encontram (Espanha).
 
Há ainda a Itália, desde há mais de um século habituada a viver internamente na conflitualidade Norte/Sul, que tenta encontrar no actual momento da zona euro um lugar que a bem dizer reproduza aquela conflitualidade e lhe permita nessa dualidade acomodar-se com as vantagens e  desvantagens decorrentes dessa situação. Depois há a França que continua a tentar mascarar cada vez com menos êxito a sua inexorável decadência, não tendo porventura sequer consciência de que a maior parte dos problemas que agora existem resultam do seu ineficaz voluntarismo político. Um voluntarismo que, por mais que se esforce, não conseguiu exorcizar o “fantasma alemão”, para não dizer o “demónio alemão”, antes pelo contrário, o fortaleceu e o elevou a níveis nunca antes atingidos desde o último quartel do século XIX, a unificação da Alemanha.
 
Perante este quadro, que é um quadro que reflecte o profundo agravamento da situação económica de uma parte considerável dos países da União Europeia, manifestado com mais intensidade nos Estados economicamente mais vulneráveis, é de admitir que a “Europa”, com a configuração que hoje existe, esteja próxima do seu fim. A Alemanha não cede em nenhum campo onde tenha conquistado vantagens. Não se trata de uma situação imposta pelo calendário eleitoral como tão frequentemente se ouve dizer. Trata-se de uma profunda convergência entre o sentir do povo alemão relativamente à União Europeia e os seus responsáveis políticos. Admitir que a desagregação da Europa ou a implosão da zona euro é algo prejudicial aos interesses alemães é um raciocínio que os alemães não formulam nesses termos. Os alemães acreditam que as principais vantagens da zona euro vão para quem desfruta da “moeda alemã”, ou, se se preferir, de uma moeda cuja solidez e importância resultam da disciplina alemã e da força da sua economia. E mesmo que os números apontem noutro sentido não seria esta a primeira vez que os alemães se deixavam levar pela vertigem do abismo supondo que estavam a caminhar exactamente no sentido oposto.
 
A menos que a contestação interna dos países sujeitos às draconianas medidas de austeridade e os fenómenos de desagregação interna delas decorrentes, nos planos familiar, social, económico e territorial, acabe politicamente por se impor a curto prazo, daí resultando novas soluções – apesar o exemplo grego não augurar nada de positivo –, é de crer que a espiral depressiva e recessiva se vá acentuando, fazendo os respectivos países cair no desespero típico de quem não acredita na existência de verdadeiras alternativas, deixando que as coisas apodreçam até se tornarem insustentáveis.
 
Tudo poderia ser diferente se o egoísmo nacional não se impusesse tão fortemente mesmo na desgraça de quem sofre dos mesmos males e se debate com problemas idênticos. Todos os que estão em dificuldades procuram com base nas suas próprias estratégias encontrar uma solução que os distinga dos restantes. Três anos depois do grito insolidário “Nós não somos a Grécia”, esse continua a ser o lema de quem teme afrontar abertamente o poderio alemão, apesar das aparências de um ou outro gesto poder indiciar um movimento de sentido inverso.
 
É por isso que é muito importante, é mesmo decisivo, encontrar internamente uma solução que rompa com o presente alinhamento. Só isso poderá impedir que a situação aprodeça a um ponto tal que torne quase irreparáveis os danos entretantos produzidos. De facto, não nos interessa esperar que a Europa se dissolva para a partir da sua dissolução encontrar uma saída. A saída tem que ser encontrada antes...

2 comentários:

Anónimo disse...

Também me parece que, em grande medida, as posições "negativas" do governo alemão têm respaldo na população. Há muitos aspectos em que os sociais democratas não pensam diferentemente da CDU. É elucidativo um comentário do H.Shmidt relativamente a uma conversa com o Gorbatchov e à "leviandade" por este demosntrada quanto à emissão de moeda, tendo vaticinado (o Shmidt) que o simpático e aliado reformador iria entrar em trabalhos.

Como se sabe, a hegemonia da moeda alemã na Europa é anterior ao Euro. Como também se sabe, os franceses acordaram para isso ( a que eles chamariam em privado a bomba atómica alemã)quando a Alemanhã se sentiu desobrigada de ser a bengala do franco e reassumiu a sua soberania monetária. Ha quem diga que o Miterrand forçou a UEM como forma de conter aquele poder crescente.
De qualquer forma, esse poder assenta em primeiro lugar no trabalho, disciplina e valores que, gostemos ou não, atingem os resultados que os que os criticam gostariam de obter. Não vejo porque não se contesta e se repudia a dívida resultante do uso de matérias primas que se encontram a milhares de metros de profundidade e para as quais os indígenas ( sheiks, Sultões) etc. não contribuiram nada. É que, por acaso, é a dependência do petróleo que está na origem, entre outras, do definhamento de Portugal e grande parte da Europa(??). Bem, rigorosamente, há quem vá contestando e com argumentos explosivos...que o digam os iraquinanos..
lg

JM Correia Pinto disse...

O drama é que em Portugal ainda não se percebeu que a “Europa” nunca mais será o que foi. Dito de outra maneira: o PS não percebeu isto. De Mário Soares a Sampaio, passando pelos restantes, todos continuam a sonhar com uma “Europa” que já não existe. Uma Europa que já não existe desde a Queda do Muro, da implosão da União Soviética, da reunificação Alemã e do Alargamento a Leste.
Hoje a “Europa” ou é uma Europa alemã ou dificilmente será outra coisa. Como isto é matéria para mais longa “dissertação”, a primeira conclusão que se pode tirar é que o novo “status quo” representa uma derrota sem retorno para a França. A França leva tempo, muito tempo, a interiorizar a compreensão do presente e Alemanha não está nada interessada em lhe evidenciar essa compreensão. Mas vai agindo e actuando no quadro da nova correlação de forças. Logo a questão que se põe e se impõe é esta: o que devem fazer os países que já compreenderam (ou que vão compreender) que a Europa caminha num sentido oposto ao das suas expectativas?