quinta-feira, 26 de maio de 2022

PORTUGAL, CRAVINHO E AS SANÇÕES

 

AS SANÇÕES NO DIREITO INTERNACIONAL E INTERNO



 

O Chelsea, propriedade de Roman Abramovich, está para ser vendido a um grupo liderado por Todd Boethly, comproprietário da equipa de basebol Los Angeles Dodgers, nas próximas 24 horas, por 4,25 mil milhões de libras, dizem as noticias.

Ao que parece, segundo o direito inglês, o negócio terá de ser igualmente autorizado por Portugal visto Abramovich também ter nacionalidade portuguesa

Cravinho, Ministro dos Negócios Estrangeiros, diz que, sendo o negócio realizado por uma pessoa que está sob alçada de sanções decretadas pela UE, conversará com Bruxelas quanto ao modo como deve actuar, embora desde já deixe claro que será inflexível na aplicação das sanções. Esta questão levanta dois, digamos, três problemas.

O terceiro, que não é de natureza jurídica, tem a ver com o modo como se posicionam os portugueses com responsabilidades políticas perante a UE e também perante os Estados Unidos, quando este é o mandante. A preocupação que todos manifestam é a de não deixarem dúvidas sobre a intransigência da sua conduta a ponto de por vezes se mostrarem mais inflexíveis do que o próprio patrão, embora sempre dispostos a fazer todas as genuflexões que este lhes impuser. Mas deixemos isto que é assunto que somente se resolve de outra maneira. Mas há-de resolver-se.

A primeira questão tem a ver como facto de Abramovich em Portugal ser cidadão português e não poder perante as autoridades portuguesas invocar outra ou outras nacionalidades de que também seja nacional, para se esquivar às obrigações impostas pela lei portuguesa. Ora, o que vale para as obrigações, vale para os direitos. Como cidadão português nenhuma sanção recai sobre Roman Abramovich. Ele é, em Portugal, tão português como qualquer outro português, com os mesmos direitos e obrigações, salvo alguns direitos políticos muito específicos como candidatar-se a Presidente da República, cargo reservado exclusivamente a portugueses de origem.

A segunda questão, que no rigor dos princípios até já estaria eliminada pela anterior resposta, versa sobre a natureza do diploma normativo que decretou as sanções, a que se refere Cravinho, para a partir dai se aferir da sua eficácia e validade em Portugal, tanto à luz do próprio direito internacional (na medida em que este seja parte integrante do ordenamento jurídico português, como acontece cem as normas e princípios do direito internacional geral e comum), quer à luz da Constituição portuguesa que somente prevê como vinculativas, além daquelas, mais duas espécies de normas não directamente aprovadas pelo legislador (em sentido amplo) nacional.

São elas as normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas por Portugal, depois de publicadas no jornal oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado português. Estas normas têm sempre de ser conformes à Constituição para serem válidas, o que, em regra, acontecerá pois de outro modo a convenção não teria sido ratificada ou aprovada. A outra categoria respeita às normas emanadas pelos órgãos competentes das organizações internacionais de que Portugal faça parte directamente aplicáveis em território português, desde que tal se encontre estabelecido nos respectivos tratados constitutivos. Com esta formulação a Constituição quer referir se às normas emanadas pelas instituições europeias competentes, os chamados regulamentos.

Estas são as categorias de normas, além evidentemente das elaboradas e aprovadas internamente pelo legislador português, que poderiam contemplar as tais sanções de que fala Cravinho.

Ora, acontece que nenhuma destas normas pode permitir a aplicação de sanções a Estados terceiros, ou seja, a Estados que não sejam parte das convenções ratificadas ou aprovadas por Portugal que prevejam esse tipo de sanções entre as partes, assim como as normas dos tratados constitutivos da União Europeia também não podem prever a aplicação de sanções a Estados que dela não façam parte, já que o direito internacional geral e comum não permite actos de retaliação contra um Estado, suposto de ter cometido um acto ilícito, decididos e executados por Estados contra os quais aquele ilícito não foi cometido.

Nestes casos, a única entidade com competência para decretar este tipo de actos é o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas. De facto, as sanções entendidas como actos de retaliação ou represália são, isoladamente considerados, actos ilícitos, cuja licitude fica legitimada pelo acto ilícito que os determina. Um Estado terceiro ou uma organização internacional, de carácter regional ou não, não podem assumir-se como policias ou juiz universal com competência para decretar sanções relativamente a actos que não são da sua conta ou que não foram praticados contra si.

As sanções aplicadas a um Estados que não sejam decretadas pela ONU e constituam em si, isoladamente consideradas, um acto ilícito mantêm essa qualificação já que nenhum princípio do direito internacional geral e comum os pode legitimar.

Ora, sendo estas as normas de direito internacional relevantes na situação em questão, a invocação do direito internacional para justificar as sanções fica sem base jurídica em que possa apoiar-se.

Situação completamente diferente é aquela em que um Estado comete relativamente a outro ou outros ou relativamente a uma organização internacional um acto ilícito. Neste caso, tanto o Estado ou os Estados lesados bem como a organização internacional que se encontre na mesma situação podem decidir e executar actos retaliatórios contra o Estado infractor desde que respeitado o princípio da proporcionalidade. Actos que, como já se disse, em si seriam ilícitos se a sua licitude não estivesse legitimada pelo comportamento do infractor.

Situação diferente das anteriormente analisadas é ainda a que se traduz na prática de actos inamistosos. Actos inamistosos são, isoladamente considerados, actos lícitos praticados pelos Estados relativamente a qualquer outro Estado ou Estados que tenha tido, segundo a perspectiva de quem os aplica, um comportamento reprovável. Os actos inamistosos podem inclusive causar prejuízos ao Estado sem que daí decorram outras consequências jurídicas para quem os pratica, contanto que sejam em si actos lícitos, ou seja, actos que não se traduzam no incumprimento de um dever geral ou particular. Por exemplo, Um Estado deixar de contar com a cláusula de “nação mais favorecida” se no tratado que a consagrou estiver prevista a possibilidade de ser retirada pelo Estado que a concedeu, mediante simples notificação.

Portanto, os actos compreendidos nas contra medidas se não constituírem em si actos ilícitos eles poderão ser aplicados sem nenhuma reserva. Esse é um poder que decorre da soberania dos Estados. Nesse caso não se tratara juridicamente nem de retaliações nem de represálias, cujo conceito pressupõe sempre a ilicitude justificada pelo comportamento da contra parte, mas de actos puramente inamistosos, em relação aos quais, como acima dissemos, nenhuma objecção jurídica se levanta.

 

 

segunda-feira, 23 de maio de 2022

ANTÓNIO COSTA EM KIEV COM DÁDIVAS

A VISITA DO PM PORTUGUÊS A KIEV



Recebo diariamente textos da mais diversa proveniência sobre a caracterização política do regime ucraniano, alguns deles escritos por ocasião do golpe de 2014, muitos outros entre esta data e o início da guerra, outros .ainda actuais. Para tranquilidade das almas mais sensíveis as "diversas proveniências" raramente abrangem a Rússia. Não por opção voluntária, mas por serem escassas as traduções de textos dessa origem..
Nesta vasta literatura não conheço um único texto que não caracterize, com base em comportamentos políticos devidamente identificados, o regime ucraniano como um regime de extrema-direita com fortíssima influência de grupos nazis actuando em aliança estreita com os grupos oligárquicos dominantes, grupos ultranacionalistas, racistas e alguns extremamente violentos, aceites pelo actual presidente e pela sua própria mão integrados nas diversas instituições do Estado ucraniano, e não apenas nas militares como vulgarmente se pensa. É também um regime onde campeia a grande corrupção e a hostilidade aberta e declarada a certos grupos étnicos e a agrupamentos políticos divergentes da linha oficial
A predominância na Ucrânia da extrema-direita agressiva e violenta faz do regime ucraniano o principal alfobre da extrema-direita europeia. Nele se reuniram por várias vezes desde 2014, sob múltiplos pretextos, diversos grupos da extrema-direita europeia, tanto a que concorre a eleições, fingindo-se integrada no sistema para melhor o contestar e combater por dentro, como a que não hesita na prática de actos terroristas como modo de acção política.
É desta Ucrânia que estamos a falar. Da Ucrânia do Batalhão Azov, do Dnipro2, do Shaktarsk, Poltava e tantos outros. De uma Ucrânia saída de um golpe de estado perpetrado pelos Estados Unidos (Biden, como vice-presidente) e executado por milícias da extrema-direita, algumas delas disfarçadas de apoiantes do regime em vias de ser deposto, que colocaram atiradores furtivos em locais estrategicamente escolhidos da Praça Maidan para matar a tiro cidadãos indefesos e imputar os respectivos crimes ao regime deposto ou a depor. E também da Ucrânia onde milícias, depois de deposto o regime, já sem disfarces, atacaram impiedosamente as zonas russófonas chegando ao ponto de queimar vivos manifestantes pacíficos que apenas exigiam o reconhecimento da sua identidade. E também da Ucrânia que durante oito anos massacrou o Donbass, matando mais de dez mil cidadãos ucranianos que exibiam como reivindicação o respeito pela sua identidade, pela sua língua, durante centenas de anos a língua comum de todos os ucranianos. É desta Ucrânia que estamos a falar, duma Ucrânia que é politicamente a vergonha da Europa e pela qual as democracias europeias, vergadas ao peso da sua recorrente subserviência ao soberano americano, se deixaram conduzir contra a defesa dos seus próprios interesses vitais apoiando-se numa russofobia doentia, que o espectro do comunismo ajudou a fomentar durante décadas, se não mesmo secularmente, que está agora sendo usada para disfarçar e esconder a defesa de interesses que não são seus e os graves prejuízos que daí resultam para a sua autonomia económica e afirmação com polo de interesses autónomos num mundo que mais tarde ou mais cedo será multipolar, a verdadeira expressão de uma comunidade internacional democrática..
Tudo isto é tanto mais estranho quanto é certo que era essa mesma comunicação social ocidental e muitas das instituições europeias que tão negativamente qualificavaam o regime ucraniano, para que em Kiev se não acalentasse a ilusão da sua integração nas instituições europeias.
É por isso uma vergonha para a democracia portuguesa saída do 25 de Abril, a visita de António Costa a Kiev. Uma deslocação que não a honra nem engrandece por se tratar de um gesto que não foi ditado por uma opção política destinada a defender interesses portugueses, mas antes consequência de um bem urdido ambiente de vassalagem política entre cujos múltiplos deveres do vassalo se inclui este "número diplomático". Mas também a não honra, porque, ao dar palco ao regime de Kiev, a democracia portuguesa fragiliza-se e contamina-se perigosamente na defesa de regimes e governantes que não podem servir de exemplo a nenhum democrata digno desse nome.
O vírus dessa contaminação tem estado bem presente na sociedade política nestes últimos tempos. São sintomas perigosos a informação sectária e maniqueísta da guerra, acompanhada de uma campanha destinada a criar um clima emocional que rejeita de imediato a racionalidade da análise política e considera como alvo a silenciar qualquer voz discordante ou que não percorra sem hesitações toda a pauta política imposta pela propaganda dominante. São ainda sintomas dessa contaminação a denúncia como crime de lesa pátria da simples presença de um repórter de guerra do "outro lado" do conflito, como se o simples facto de alguém buscar informação plural já fosse em si um acto condenável. E são também sintomas perigosos as campanhas movidas contra quem manifestou oposição à presença de Zelensky no Parlamento. São, enfim, sintomas muito preocupantes o silêncio dos nossos principais responsáveis políticos a todo este atropelamento dos princípios democráticos bem como a rédea solta que tem sido permitida a apoiantes de Zelensky para usar o nosso país como espaço político privilegiado para intervenções inaceitáveis de descriminação e de ódio étnico.
António Costa, guardado à vista em Kiev por uniformes com caveira, generoso nas dádivas, parco na satisfação das necessitas colectivas internas como a educação e a saúde, para não falar dos salários, não mais poderá pisar solo amigo dos países de língua portuguesa sem remorsos por tantas vezes ter sido regateado a estes o que prodigaliza em Kiev sem qualquer conexão com os genuínos interesses portugueses.


terça-feira, 2 de novembro de 2021

MIRAR HACIA ADELANTE

 MIRAR HACIA ADELANTE" – AS LEIS LABORAIS

(Publicado no FB hoje, 02/11/21)

Compreendo a frustração dos que gostavam (entre os quais me incluo) de ter um governo com influência da esquerda que dele não faz parte, apesar de quase nula, mas com alguma relevância nominal; compreendo a frustração dos reformados “do meio da tabela” (entre os quais também me incluo) que são o pasto preferido da direita, principalmente agora quando os que se perfilam para substituir os que lá estão têm reformas asseguradas pela EU; compreendo ainda a frustração dos que genuinamente gostam, sem olhar a “minudências”, de ter a direita por longe, como também compreendo a alegria hipocritamente contida de todos aqueles que no PS foram contra a solução encontrada e vaticinavam, desejando, o fim da “aliança espúria”, mas compreendo ainda melhor aqueles que mesmo sabendo que, as frustrações acima assinaladas se convertem em perdas eleitorais inevitáveis, não podiam por mais tempo continuar a contribuir para uma solução governativa em que a sua influência era quase nula, salvo a que se traduzia no apoio que regularmente lhe era solicitado por altura da apresentação do orçamento, e lhe acarretava perdas de vária ordem, desde as identitárias até às eleitorais, sem qualquer contrapartida visível.

O caso das leis laborais é significativo. A Troika externa (FMI, BCE e CE) e a interna (Cavaco, Passos e Portas) aproveitaram a crise financeira criada pelo capital financeiro e a sua repercussão na dívida soberana dos países mais penalizados pela adesão ao euro em consequência do seu valor assimétrico nas economias dos países que dele fazem parte, para eliminar as conquistas que ainda restavam do movimento sindical e levar a “liberdade” de contratação para o mundo do trabalho colocando o trabalhador no mesmo plano do do patrão, com quebra das principais protecções que a sua debilidade no contexto da relação contratual amplamente justifica e exige, bem com a sua eliminação gradual com vista à precariedade como regra da segurança no emprego.

Em Portugal, o PS votou contra a “contra-reforma” laboral da Troika e prometeu, em documentos publicados durante o Governo de Passos, revogá-la logo que fosse governo. Em Espanha, José Luís Zapatero, teve de sacrificar algumas das suas mais arreigadas convicções para evitar a entrada formal da Troika em Espanha, mas não conseguiu evitar solicitar um resgate para acudir às situações mais gravosas em que a especulação imobiliária e a voragem especulativa do capital financeiro tinham deixado a Espanha. Conseguido o essencial, decepcionado e desiludido, Zapatero demitiu-se e veio direita com Rajoy. Sendo um homem de direita, embora relativamente distanciado da feição pura e dura da direita espanhola, que, aliás, durante os seus mandatos viria a autonomizar-se uma parte num partido de extrema-direita, e a outra a tomar conta do PP, fez também a sua “contra-reforma” ao gosto da Troika. Este período, como se sabe deu lugar a uma grande movimentação política em Espanha, que levou a que também o velho PSOE, de Gonzalez & C.ª, agentes diligentíssimos da implantação neoliberal na União Europeia, visse nascer à sua esquerda movimentos contestários contra as brutais desigualdades a que aquelas práticas tinham levado nos países desenvolvidos do Ocidente. Destes movimentos nasceu um partido, Podemos, que ameaçou seriamente a hegemonia eleitoral do PSOE, à esquerda. Depois de alguns actos eleitorais que não geravam as costumadas maiorias e em que o velho PSOE traçava uma linha vermelha intransponível a qualquer tipo de entendimento com Podemos, Pedro Sánchez para ser governo viu-se obrigado a aceitar uma coligação com Podemos, numa altura em que este já declinava eleitoral e ideologicamente por força das várias crises internas por que passou e acima de tudo pela sua fraqueza ideológica. Com Podemos, entretanto aliado ao que restava da Esquerda Unida – Unidas Podemos –, e com o apoio parlamentar de sectores independentistas, relativamente moderados (ERC e PNV) fez-se a coligação com os socialistas que levou à formação do actual governo de Espanha. No programa da coligação, figurava, sem “ses nem mas”, a revogação da “contra-reforma” laboral de Rajoy. E Sánchez até pareceu dar sinais de que respeitaria o compromisso assumido, colocando à frente das negociações a ministra do trabalho e vice-primeira ministra, Yolanda Diaz, da Esquerda Unida (PCE), defensora inequívoca dessa revogação. Com o andar do tempo, e por imposição de Bruxelas (que não têm qualquer competência para intervir neste assunto), Sánchez foi levantando sucessivas dificuldades ao avanço das negociações e nomeou Nadia Calvino (também vice-primeira ministra) para coordenar aquelas negociações.

Liberal assumida, Calviño foi introduzida nas negociações para neutralizar Diaz e para não fazer avançar a revogação das leis laborais. E o resultado está à vista, ainda agora Sánchez no termo do G 20, onde esteve como convidado, validou a “contra-reforma” de Rajoy, salvo “algumas coisas” porque o que importa é “mirar hacia adelante”. É isso mesmo, o que interessa é “olhar para frente” e fazer o que a União Europeia nos manda.

Lá como cá, a conversa é a mesma, com a diferença de que a “Unidas Podemos”, fraca política e ideologicamente, prefere ficar no Governo às “sopas” de Sánchez do que exigir o cumprimento dos compromissos assumidos e deixar a sua marca, por pequena que fosse, na governação.

domingo, 31 de outubro de 2021

UMA SÍNTESE DA CRISE E SUA EXPLICAÇÃO

 UMA SÍNTESE DA CRISE E SUA EXPLICAÇÃO

(Texto publicado hoje, 31/10/2021, no Facebbok

Vou tentar fazer aqui uma breve síntese das motivações da crise e do que verdadeiramente subjaz à actuação os diversos intervenientes.
Contrariamente ao que tem acontecido com os postes anteriores em que faço o possível por ser fiel aos factos, embora dê deles a minha interpretação, neste post, baseado nas minhas percepções, actuarei com mais liberdade, não relativamente aos factos, que continuarei a respeitar, mas à sua interpretação e acima de tudo às conclusões que deles tiro.
Assim, hoje estou inclinado a supor que toda a actuação do Governo foi ditada pelo propósito de ir para eleições. Costa estava cansado das reivindicações e propostas que os seus parceiros lhe vinham apresentando e que estavam a constituir um verdadeiro empecilho à sua governação e aos seus propósitos futuros.
Quanto ao Bloco, Costa já o tinha deixado “cair”, desde que terminou a última legislatura, não dando seguimento a nenhuma das suas demandas. Enquanto continuasse a conseguir ter o PCP a seu lado, não precisava de Bloco para nada.
Quanto ao PCP, Costa percebeu que passada formalmente a situação pandémica, o PCP iria ser mais assertivo no cumprimento dos compromissos assumidos e formular novas exigências que ele já não estaria disposto a satisfazer, principalmente por terem um fundo ideológico contrário ao fundamentalismo neoliberal de Bruxelas, não tanto pelo seu peso orçamental, nulo em alguns casos, mas mais por colocarem o PS numa rota ideológica não inteiramente coincidente com a de Bruxelas. Por outro lado, Costa consolidou uma ideia que factos anteriores já indiciavam consubstanciada no seguinte: se o Governo Socialista continuar a elogiar o entendimento à esquerda, se continuar a fazer a apologia deste tipo de experiência, com elogios variados mas significativos ao PCP, o PS (por intermédio do seu Governo) adquirirá à esquerda uma respeitabilidade e consideração que nunca antes tivera. E isso, como se está a ver, rende votos, muitos votos, entre o eleitorado de esquerda, entre o povo de esquerda. Portanto, a melhor forma de tentar ganhar a maioria absoluta, é ir agora para eleições, como desfecho “pesaroso”, que o Governo não deixará de “lamentar”, como muito “lamenta” esta divergência à esquerda por ser uma das mais belas experiências políticas que em Portugal se viveram depois do 25 de Abril. É isto que, por palavras dele, ouvimos de Costa e vamos continuar a ouvir até ao último dia da campanha eleitoral.
Com este avanço à esquerda, o que ao PS interessará é também conservar o centro. Um argumento importante para conservar o centro é deixar passar a ideia de que, no interesse do país, não cedeu nem satisfez as exigências despesistas da esquerda. E a outra forma de conservar o centro é deixar fazer subir o Chega à custa do PSD. E mesmo que Rio porventura saia, esse centro também não estará em causa por o discurso de Rangel ser, como se já viu, suficientemente à direita para assustar a parte do centro tradicionalmente PS.
E por tudo isto estou hoje levado a supor que é por Marcelo ter intuído esta manobra que as eleições antecipadas não serão verdadeiramente do seu agrado. Tanto por uma questão de correlação de forças entre ele e o PM como entre a direita e o PS. Daí também as ameaças e diligências, umas atabalhoadas e até contraproducentes, e outras de autêntico “queijo Limiano” na versão “bailinho da Madeira”, umas e outras ditadas pela preocupação de impedir a rejeição do orçamento.
Do lado da direita, toda partida interiormente, este era o único momento que verdadeiramente lhe não convinha para haver eleições, salvo para se conservarem no poder aqueles que o têm ameaçado. Embora as contas que tenham que prestar no dia seguinte ao das eleições sejam bem mais difíceis de aceitar do que aquelas que prestariam na situação em que agora se encontram. Mas como não tinham alternativa, tiveram que votar contra.
Do lado do Bloco a decisão parece já estar tomada desde o ano passado e ela assenta na ideia muito simples de que lhe rende muito mais estar na oposição a um governo PS pontualmente mantido no poder com o apoio do PCP do que estar a fazer grandes esforços e cedências para se manter na periferia da governação.
A posição do PCP era a mais difícil. O PCP percebia o que se estava a passar e os prejuízos que a sua atitude lhe acarretava, mas sabia também que este “canto de sereia” do Governo, além de lhe assegurar uma respeitabilidade numa parte muito significativa da população portuguesa, embora não traduzível em votos, lhe permitia aqui e ali impedir o que de mais grave de outro modo poderia acontecer, mais do que as vantagens directas que colhia da sua posição. Dai que todas as contas feitas tenha também facilmente chegado à conclusão de que os prejuízos que o seu afastamento agora lhe poderia trazer serão muito inferiores aos que teria se continuasse com o PS até ao fim da legislatura. Assim, deixa uma mensagem muito clara de que não poderá o PS contar mais com ele nas mesmas condições em que tem contado desde o fim de 2015 até hoje, mas, por outro lado, como se foi vendo tanto no Parlamento como nos múltiplos debates em que participou, deixou a porta aberta para outro tipo entendimentos mais avançados com o PS na base de compromissos mutuamente aceites e respeitados.
Rosa Maria

LEIS LABORAIS E SOCIALISTAS

 AINDA AS LEIS LABORAIS E OS SOCIALISTAS

(Texto publicado hoje, 31/10/21, no Facebook)

Como aqui já foi referido, os trabalhadores espanhóis debatem-se com um problema semelhante ao dos portugueses em matéria de leis laborais. Ambos os governos são socialistas, o espanhol com o apoio formal (coligação) de Unidas Podemos e o português até à última semana com o apoio informal e pontual da esquerda.
As centrais sindicais de ambos os países apoiadas pelos partidos de esquerda exigem em ambos os países a revogação das leis laborais impostas pela Troika.
Em Portugal, foi o que se viu: o governo socialista de António Costa preferiu cair a ceder nesta matéria.
Em Espanha, o assunto estava desde há muito sendo discutido com patrões e sindicatos sob a arbitragem do governo a cargo da vice-primeira ministra Yolanda Diaz (UP), partidária inequívoca da revogação das ditas leis. Pressionado pela UE, Sanchez nomeou a vice-primeira ministra Calvino (PSOE) para participar igualmente nas negociações e neutralizar Diaz. Embora os votos de Unidas Podemos sejam indispensáveis para aprovar o orçamento não é crível que esta questão acabe por ser determinante para a sua permanência no Governo e a continuidade deste.
Sanchez é que não perdeu tempo, já fez saber a Bruxelas que neutralizou Diaz e as suas exigências,querendo ser recompensado com mais fundos pelos "serviços prestados" (quem duvidar, ver jornais espanhóis).
O que se passou em Portugal só não percebe quem não quer perceber. Costa, ansioso por começar a receber o dinheiro da Bazuca, com o qual conta perpetuar-se no poder por tempo indeterminado, também esperará que Bruxelas o recompense por ter "neutralizado" a esquerda mesmo com sacrifício do seu próprio Governo. Governo, como é óbvio, que ele pensa reconstituir, fortalecido, dentro de três meses.
Socialistas todos iguais, todos ao serviço do neoliberalismo com assistencialismo.
E depois venham dizer que é a esquerda que se junta à direita. A direita votou contra Costa não porque discorde dele nas questões essenciais, mas porque o quer substituir. E o PS deixou cair o Governo para servir a direita e garantir a essa mesma direita que pode contar com ele em tudo que é importante.

sábado, 30 de outubro de 2021

MARCELO, RANGEL E AS ELEIÇÕES

 MARCELO, RANGEL E AS ELEIÇÕES

(Texto publicado no FB em 29 de Outubro de 2021)

Não vou dizer nada de novo sobre este assunto, mas apenas juntar a minha voz à de todos aqueles que verberaram a conduta do Presidente da República.
É de facto inaceitável e incompreensível que o Presidente da República receba o candidato da oposição interna à presidência do PSD, para tratar da data apropriada à marcação de eleições legislativas. Isto é grave, a vários títulos. Primeiro, porque à data não havia, nem ainda há, dissolução do Parlamento e nem sequer tinha ainda sido votado o Orçamento de Estado, da cuja eventual rejeição resultaria, segundo o Presidente, aquela resolução. Em segundo lugar, porque é inadmissível que o Presidente receba o candidato da oposição interna à presidência de um partido, antes de os representantes legítimos e legitimados dos partidos com assento parlamentar terem sido ouvidos sobre o mesmo assunto. E em terceiro lugar, é gravíssimo que o Presidente da República participe e queira influenciar, no exercício das suas funções, a escolha eleitoral do partido a que pertence, dando publicamente um sinal inequívoco de que o seu candidato é Rangel.
A ideia posta a circular de que foi uma simples visita ou audiência de cortesia é uma desculpa esfarrapada, sem credibilidade, que não convence ninguém. Se Rangel queria tratar de um assunto pessoal com o Presidente, comunicar-lhe, por exemplo, que está noivo e tenciona casar-se deveria fazer isso no programa do Goucha e logo todos ficaríamos a saber, Presidente inclusive, e não pedir uma audiência ao Presidente para esse efeito e muito menos em Belém.
Finalmente, Marcelo não pode, mas não pode mesmo, desculpar-se ou justificar-se com uma explicação rasca, própria de um comentador de futebol de terceiro nível, dizendo que: “O Presidente é como é, e eu sou como sou”, exactamente da mesma forma que os ditos comentadores justificam a má criação dos treinadores do seu clube, quando se portam mal, porque o comportamento de Marcelo nestas matérias terá de ser pautado pelo que a Constituição prescreve e não por aquilo a que a sua vontade pessoal o induz.

sexta-feira, 29 de outubro de 2021

PS – PARTIDO GUIA

 PS – PARTIDO GUIA

(Texto publicado no FB em 29de Outubro de 2021)

Depois de tudo o que tenho lido aqui no facebook de pessoas ligadas ao PS ou mesmo militantes do partido, de pessoas do mais alto nível da sociedade portuguesa, principalmente no plano cultural (poetas, embaixadores, escritores, cientistas, etc.), mas não só, refiro-me a todas aquelas pessoas que não tendo, na maior parte dos casos, sido comunistas, mas afirmando-se de esquerda e muitas com até com provas dadas na luta antifascista (os mais velhos), outras que já desempenharam cargos públicos relevantes, tenham do Partido Socialista uma concepção vanguardista, de “partido guia” que deve ser seguido sem hesitações nem contemplações pelos partidos que lhe asseguraram a possibilidade de governar desde 26 de Novembro de 2015 até hoje, feito nunca igualado até à presente data por nenhuma coligação formal pré ou pós eleitoral.
Vocês fazem – me lembrar o Brecht e a conquista da Gália. Será que nem de um cozinheiro precisam?

AINDA SOBRE A REJEIÇÃO DO ORÇAMENTO E SUAS CONSEQUÊNCIAS

 AINDA SOBRE A REJEIÇÃO DO ORÇAMENTO E SUAS CONSEQUÊNCIAS

(Texto publicado no FB em 29 de Outubro de 2021)

A recente rejeição do Orçamento de Estado para 2022, por voto contra de toda a direita, do Bloco de Esquerda e do Partido Comunista Português bem como as consequências que, segundo o Presidente da República, lhe estão associadas, têm dado lugar a múltiplas reacções que vão desde a relativa apreensão com que o PSD as acolhe até à efusiva satisfação do Chega, da Iniciativa Liberal e também, paradoxalmente, do CDS, porventura supondo que ancorado no PSD poderá manter a sua actual bancada parlamentar. Do outro lado, à insatisfação do PAN que se absteve e preferia a continuação da legislatura até ao fim, junta-se o que parece ser o alívio indisfarçável do PS; enquanto da parte do PCP e do BE, não havendo o menor arrependimento pela votação efectuada por ela corresponder à análise exaustiva e cuidada que fizeram da situação, como se demonstra pela permanente exposição pública dos fundamentos dos seus argumentos, sabe-se também que os espera um trabalho sério, muito documentado e bem explicado da responsabilidade do PS neste processo, sob pena de sucumbirem à propaganda primária, de muito fácil absorção, já em curso e que os responsabiliza pelas consequências da reprovação do orçamento, apesar de as razões que ditaram a sua rejeição nada terem a ver, e até estarem nos antípodas, das que motivaram todos os partidos de direita
Comecemos pelo princípio: por que razão alteraram BE e PCP o sentido de voto que os acompanhou durante a primeira legislatura do Governo António Costa e que somente não terá sido mais cedo interrompido por força da crise pandémica? Há, como todos sabemos, duas versões que estão a circular para responder a esta pergunta.
Uma protagonizada pelo PS, desenvolvida de forma muito clara ao longo da segunda legislatura, ou seja, desde as eleições de 2019, que consiste fundamentalmente no seguinte: as vantagens acumuladas por esta actuação conjunta da esquerda, a que nos sentimos muito ligados, é um património construído com muita dificuldade, derrubando muros e neutralizando preconceitos, que não pode ser posto em causa por interesses particulares e na qual devemos prosseguir para manter a direita e as suas políticas fora do poder.
Evidentemente, que este discurso só pode ser feito por ter havido a cobertura do BE e do PCP às políticas do PS, regularmente sinalizada pela aprovação do orçamento. Daí que o discurso passasse a ter na segunda legislatura o efeito de uma espécie de chantagem subliminar que limitava o espaço de livre apreciação e avaliação da acção política do Governo, levada a cabo na completa ausência de um qualquer tipo de acordo programático com os seus “apoiantes” de esquerda, que a balizasse e condicionasse e, paradoxalmente, deixasse ao PS as mãos livres para, fora do tempo orçamental, mais do que do seu quadro, negociar e fazer aprovar as suas propostas com quem estivesse disposto a votá-las, como aconteceu durante esta segunda legislatura, maioritariamente com o PSD.
Este discurso do PS, como é óbvio, visava colher votos à esquerda e deixar inalterada a sua base de apoio do centro, sendo fundamental para o seu êxito, mais do que o voto do BE, o apoio ou a abstenção do PCP. Não se tratava de desvalorizar o BE, como frequentemente foi dito e nem sequer desmentido pelo PS, tratava-se de olhar para a realidade e perceber que a “certificação” de uma política de esquerda precisava muito mais do beneplácito do PCP do que da de qualquer outro partido, pela sua história centenária, pela sua luta antifascista contra a ditadura, por o partido ser como é.
O outro discurso que o “velho PS” começou a pôr em curso, desde logo no debate parlamentar do orçamento, pela porta-voz da bancada socialista, também em alguns jornais e restante comunicação social, principalmente nas redes sociais, um discurso que até começa por acusar o comunismo pela tomada do poder do nazismo na Alemanha, e de cá na terra pela queda de Sócrates por na votação do PEC IV ter votado contra e de agora essa mesma esquerda, para defesa de interesses particulares, ter votado contra o orçamento, não se importando de poder a estar a entregar o poder à direita ou de querer fazer uma “OPA” ao PS, é um discurso tonto facilmente desmontável, mesmo sem usar a artilharia pesada que a história da democracia portuguesa permitiria e que não lhe acrescente nenhum voto à esquerda, como anseia e aspira.
O PS vai ter à sua disposição estes dois tipos de discursos, o de Costa e o do “velho PS”, não sendo de pôr de parte a possibilidade de usar os dois consoante os destinatários a que se dirija. Costa vai continuar com um discurso de esquerda, sem injuriar o BE nem, principalmente, o PCP, com vista a alcançar a maioria absoluta, enquanto o “velho PS” será mais movido por um ódio a uma esquerda que não se deixa domesticar nem dominar pela conversa do PS:
Do outro lado, do lado do BE e do PCP, não se nega a importância do que se alcançou na primeira legislatura, em matéria de gradual recuperação de direitos e de rendimentos bem como da sinalização publicamente assumida de se ter posto termo a alguns dos efeitos mais nefastos da política da Troika, como o propositado e gradual subfinanciamento de serviços públicos essenciais que levasse à sua relativa inutilidade ou à sua transferência para a esfera privada como fonte de negócios altamente lucrativos. Este discurso, porém, passou a ser acompanhado, ainda antes de terminada a primeira legislatura, de uma mensagem de continuidade, de que era necessário prosseguir nesse caminho noutros domínios igualmente importantes para o bem-estar das pessoas e do desenvolvimento do país. Todavia, a partir da segunda legislatura, na qual o PS já era, ao contrário da anterior, o partido maioritário, começou a notar-se que havia dos partidos à esquerda do PS uma crescente insatisfação por o Governo não estar a cumprir e a executar os compromissos a que se obrigou ou a fazê-lo com excessiva lentidão por via das enormes e paralisantes cativações das verbas orçamentadas consignadas ao cumprimento daqueles compromissos e também por denotar um intransponível muro de vontades para acudir a problemas diferentes dos que inicialmente foram tratados mas com eles intimamente conexionados, como a melhoria dos serviços públicos essenciais ou a criação de outros, o crescimento do salário mínimo, a caducidade das convenções colectivas e a reforma das medidas mais gravosas da legislação laboral, fazendo-a regressar à anteriormente vigente, muita dela aprovada por proposta do Partido Socialista, no Governo.
E estes partidos começaram também a perceber que o diálogo com o Governo era um verdadeiro diálogo de surdos, porque às novas proposta que faziam o Governo ia respondendo com a promessa de aprovação de outras que ficavam muito aquém do pretendido ou que nada tinham a ver com o que estava e discussão. E, numa primeira fase da segunda legislatura, compreenderam que a obsessão do Governo pela execução do orçamento com superavit se sobrepunha a todos os demais assuntos. Esta ideia de fazer boa figura em Bruxelas perante a burocracia fiscalizadora do défice levou o Governo, na segunda fase desta caminhada com a esquerda que, segundo afirmava queria continuar a fazer, a dar um passo que o fez rejeitar tudo o que de perto ou de longe pudesse em Bruxelas ser interpretado como um afastamento, por pequeno que fosse, das suas orientações doutrinárias. E é ai que começam os problemas. Contrariamente ao que o Governo propagou, a maior parte das propostas apresentadas pela esquerda foram rejeitadas não por razões orçamentais nem de contenção ou recuperação do défice, visto que algumas delas nem matérias orçamentais eram, mas por o Governo temer que em Bruxelas fossem interpretadas como um desvio à sua cartilha ideológica, que o Governo, pelos vistos, considera mais importante do que o seu entendimento com a esquerda e do que os próprios interesses do país tal como a esquerda no sua heterogénea composição, no essencial, os entende e interpreta.
É preciso que se diga para que não haja dúvidas, como meio de combate à desinformação e às noticias falsas que as propostas que o Governo rejeitou, e à aceitação das quais preferiu a rejeição do orçamento, não tinham nada de revolucionário nem visavam nenhuma mudança política estrutural visto a maior parte delas até já ter vigorado com o apoio ou por iniciativa do próprio PS, nem por outro lado agravavam o défice pondo-o em zonas censuráveis por Bruxelas. Portanto, não se tratava de medidas que implicassem um desrespeito pelas obrigações legais assumidas perante a UE, mas apenas, quando muito, contrárias às imposições doutrinárias ilegais que a burocracia de Bruxelas inflige aos parceiros conjuntural ou estruturalmente mais fracos, segundo um processo que muito se assemelha com as típicas actuações à margem da lei, ou, retomando a linguagem de Santo Agostinho, que faz com que um governo que actue sem respeito pela justiça mais não seja do que um “bando de ladrões”.
É neste contexto assim genericamente traçado que a decisão sobre o voto nas próximas eleições deve ser tomada, sem sentimentalismos nem emoções que a realidade não justifica, mas segundo uma análise fria e racional da realidade circundante, tendo sempre presente que uma política de esquerda em Portugal só é possível com a participação dos partidos de esquerda!

A SUPERAÇÃO DA CRISE

 A SUPERAÇÃO DA CRISE

(Texto publicado no FB em 27 de Outubro de 2021)

De tudo o que tenho ouvido dos principais protagonistas desta crise, que tende a abreviar um caminho que o eleitorado francamente apoia, concluo que a sua superação seria fácil de alcançar com base no seguinte entendimento: o Governo, principalmente António Costa, ficaria com o "rigor do défice" e os parceiros de esquerda com a revogação das reformas da Troika.
Costa quer ambas as coisas e isso é impossível. Teve seis anos para chegar a este entendimento, para consolidar um entendimento baseado nesta recíproca cedência, mas não os aproveitou convencido de que poderia continuar a impor ou a manter as regras que a Troika e os seus sequazes internos abusivamente nos deixaram, convencido, ao que parece, de que se trata de realidades complementares. Mas não são, a menos que se assuma o que a retórica sempre contestou: a defesa de uma radical agenda neoliberal.
Nos debates televisivos esta questão ficou bem clara e foi brilhantemente explicada pelos intervenientes.
O que os "comentadeiros" dizem da crise, das suas causas e consequências, não interessa absolutamente nada. O que interessa é ver onde está o problema e perceber se ele tem solução ou se, pelo contrário, é intransponível. Ora, o problema tem solução e estou convencido que será resolvido na próxima legislatura.
De tudo o que tenho ouvido dos principais protagonistas desta crise, que tende a abreviar um caminho que o eleitorado francamente apoia, concluo que a sua superação seria fácil de alcançar com base no seguinte entendimento: o Governo, principalmente António Costa, ficaria com o "rigor do défice" e os parceiros de esquerda com a revogação das reformas da Troika.
Costa quer ambas as coisas e isso é impossível. Teve seis anos para chegar a este entendimento, para consolidar um entendimento baseado nesta recíproca cedência, mas não os aproveitou convencido de que poderia continuar a impor ou a manter as regras que a Troika e os seus sequazes internos abusivamente nos deixaram, convencido, ao que parece, de que se trata de realidades complementares. Mas não são, a menos que se assuma o que a retórica sempre contestou: a defesa de uma radical agenda neoliberal.
Nos debates televisivos esta questão ficou bem clara e foi brilhantemente explicada pelos intervenientes.
O que os "comentadeiros" dizem da crise, das suas causas e consequências, não interessa absolutamente nada. O que interessa é ver onde está o problema e perceber se ele tem solução ou se, pelo contrário, é intransponível. Ora, o problema tem solução e estou convencido que será resolvido na próxima legislatura.

LEIS LABORAIS

LEIS LABORAIS
(Texto publicado no FB em 26 de outubro de 2021)
Em Espanha e em Portugal a mesma luta. PSOE e PS, prisioneiros da TROIKA, recusam-se a revogar a legislação laboral da direita contra a qual votaram em 2012.
Um programa na oposição para cativar votos, outro no Governo para agradar ao capital, representado pela União Europeia.
Afinal, o que é a social-democracia? Desde 1991 que deixamos de saber o que é a social-democracia. Ou melhor, social-democracia e assistencialismo, mais ou menos matizado, passaram na prática a ter muitas semelhanças.
O assistencialismo puro seria a repartição dos pobres entre a “social-democracia” e a direita, segundo os princípios das confrarias religiosas: de segunda a quinta os pobres seriam da “social-democracia” enquanto a direita, que tem de trabalhar, ficaria com os pobres de sexta a domingo.
Acontece que as coisas evoluíram. A direita reclama-se da doutrina “social-cristã” e já diz que também quer tratar dos pobres a tempo inteiro, embora os critérios com o que faz continuem a ser bem diferentes dos da “moderna social-democracia”. A “moderna social-democracia” dá esmola a todos os que se apresentem como pobres, com ou sem aleijões, tenham ou não as roupas lavadinhas e até aceita pôr de parte algum dinheiro para lhes cuidar da saúde, principalmente se as doenças forem contagiosas, enquanto a direita por ter passado a ser “social cristã” exige a pobreza de roupinha lavada, a certificação de que não é mandriona e que esteja sempre predisposta a retribuir com serviços a comidinha que a Jonet lhes presta.
E assim se faz a diferença entre as duas correntes no tratamento dos pobres. Enquanto os “social-democratas” tratam sem discriminações todos os que se apresentam como pobres, os “social-cristãos” somente atendem aos pobres que pela pobreza se redimam dos pecados terrestres, como a gula, a inveja, a soberba e até a luxúria a que os pobres são muito dados.
Os que trabalham, os trabalhadores, esses passaram a ficar sujeitos às leis da selva, porque tanto a “moderna social-democracia”, como os “social-cristãos”, assoberbados que estão com os “empreendedores” e com o problema dos pobres, cada vez em maior número, não têm tempo para tratar deles. Concedem-lhes a liberdade de serem explorados

TEMPOS DIFICEIS

 TEMPOS DIFICEIS

(Publicado no FB em 24 de Outubro de 2021)

Vêm ai tempos muito difíceis para os países desenvolvidos Não falo dos outros porque esses nunca tiveram tempos fáceis, embora também eles fiquem pior.
Tempos difíceis ditados pelas consequências económicas da pandemia cujas réplicas se vão começar a sentir brevemente com intensidade inesperada.
A Humanidade sempre passou tempos difíceis se é que não viveu a maior parte da sua existência com múltiplas e penosas dificuldades. O problema é que as modernas gerações dos países desenvolvidos não fazem a menor ideia do que sejam tempos difíceis nem estão minimamente preparadas para essa vivência.
Cresceram e formaram a sua cabeça na ilusão permanente de que a abundância era um pressuposto inquestionável. Poderiam questionar o dinheiro necessário para aceder a essa abundância, mas esta era algo tão inquestionável como as fases da lua ou a rotação da terra. À noite seguir-se-ia o dia e o dia à noite e assim sucessivamente.
Esta ilusão, criada antes de mais pela profunda ignorância do que foi o passado, foi gerada pela globalização incrementada à escala planetária nestes últimos trinta anos.
Noções como “segurança alimentar”, “segurança energética”, em suma, segurança na produção de bens essenciais e dos bens em geral necessários à sustentação da própria economia foram noções que perderam o seu verdadeiro significado e passaram a estar completamente conexionadas com o desenvolvimento económico ou mais prosaicamente com o rendimento de cada um, individual (as pessoas) ou colectivamente (os Estados). E esta deturpação da realidade objectiva fomentada e divulgada pelas “ciências” que alicerçam na conjuntura o seu parco saber vai defrontar-se muito brevemente com a triste e implacável realidade.
E como vai ser se faltarem os cereais, se faltarem outros bens alimentares, se faltar a energia, se faltarem os mil e um componentes indispensáveis à produção dos que põem no mercado produtos acabados com componentes alheios? Como vai ser e o que vai ser dos países que “produzem eventos”, dos que produzem fantasias do capital financeiro, dos que vendem lazer, dos que criaram uma economia ancorada na lógica da globalização? Se esta soçobra ou enquanto esta soçobra o que vai ser dos que nada de verdadeiramente útil produzem para subsistência da espécie humana?

ANTÓNIO COSTA E AS “ALHADAS” EM QUE SE METEU PARA DEFENDER A UNIÃO EUROPEIAO CASO DA POLÓNIA

 O CASO DA POLÓNIA

(Texto publicado no FB em 20 de Outubro de 2021)

No debate parlamentar de hoje, 20 de Outubro de 2021, o deputado André Ventura interpelou António Costa sobre a dualidade de critérios da União Europeia por ter em curso, em relação à Polónia, a instauração do procedimento previsto no artigo 7.º do Tratado, em virtude de o Tribunal Constitucional daquele país ter considerado constitucionais certas medidas adoptadas pelo governo (em sentido amplo) polaco, e, consequentemente, insusceptíveis de fiscalização pela União Europeia qualquer que seja o fundamento desta, visto a Constituição da Polónia prevalecer sobre o direito comunitário e, por outro lado, nada ter feito, relativamente à Alemanha, quando em 2020 o Tribunal Constitucional alemão julgou contrária à Lei Fundamental (Constituição da Alemanha) a política de compra pelo BCE, no mercado secundário, de títulos dívida soberana dos Estados, por tal política e a interpretação da norma em que ela se fundamenta (segundo o TCA, contrária ao expressamente disposto no Tratado), ter violado um direito fundamental da Constituição alemã – o direito de voto, que obviamente prevalece sobre o direito comunitário.
Embora não tenha sido nestes precisos termos que Ventura levantou a questão (apesar de estes serem os termos precisos), o que o deputado reclamava do Primeiro Ministro é que este, como membro do Conselho, justificasse esta disparidade de comportamentos da UE.
Costa com o à vontade que lhe é característico, qualquer que seja o tema, afirmou que havia uma grande diferença entre as duas situações. Porque enquanto o TC da Polónia declarou que a Constituição polaca prevalecia sobre todo e qualquer direito comunitário, inclusive sobre o direito primário dos tratados, o TC alemão limitou-se a afirmar que somente o direito derivado (regulamentos, directivas (?) estava sujeito à sindicância da Constituição alemã.
É de facto uma grande “alhada” aquela em que Costa se meteu. Primeiro, a União Europeia não é um Estado federal. E somente no Estados federais (e por maioria de razão nos regionalizados) é que a constituição dos Estados (federados) é hierarquicamente inferior à constituição da federação.
A União Europeia assenta num ou vários tratados (tratados constitutivos) todos eles hierarquicamente inferiores à constituição dos Estados que a integram. Todas estas constituições prevalecem sobre os tratados da União Europeia. Aliás, estes tratados não teriam sido ratificados se contivessem normas contrárias à constituição dos Estados ratificantes. Quando em fase de ratificação dos Estados é detectada uma ou várias normas inconstitucionais só três comportamentos são possíveis: a) ou essas normas são eliminadas ou alteradas de modo a ficarem conformes à ou às constituições com a quais conflituam (procedimento este inusual, já que, segundo o DI, nenhum Estado pode ser obrigado a renegociar o que já foi negociado); b) ou os Estados com cujas constituições o tratado conflitua não o ratificam; c) ou Estados com cujas constituições o tratado conflitua alteram a sua própria Constituição para que haja (passe a haver) a referida conformidade.
Na União Europeia, temos exemplos das três situações. Na primeira situação, temos o frustrado “Tratado da Constituição Europeia” cuja ratificação parte dos Estados recusou (obviamente, por razões políticas que se reflectem juridicamente) por conter disposições contrárias às suas constituições (alteração substancial da natureza do Estado), levando a UE à sua reformulação e negociação de um novo tratado; na segunda, temos a rejeição do Tratado de Maastricht na sua primeira versão pela Dinamarca e pela Irlanda; na terceira, temos as alterações constitucionais de múltiplos Estados, entre os quais Portugal, como pressuposto necessário à ratificação do tratado em questão.
Portanto, Senhor Primeiro Ministro António Costa, não há nenhum Estado na União Europeia que não considere a sua Constituição hierarquicamente superior aos tratados constitutivos.
O que tem sido muito discutido é se o direito derivado da UE (regulamentos, directivas (?)), de aplicação imediata no território dos Estados membros, aplicação da qual o tribunal das comunidades tirou a conclusão de que ele prevalece sobre o direito interno, é se esta prevalência respeita apenas ao direito de natureza legislativa e inferior ou se, além disso, aquele direito é também insusceptível de sindicância constitucional.
A prevalência do direito comunitário sobre o direito interno dos EM não consta de nenhum texto de direito comunitário, nem mesmo dos tratados constitutivos. Foi o tribunal das comunidades que tirou esta consequência da sua aplicação imediata ao território dos Estados membros. Este é um caso típico de “direito jurisdicional”, ilegítimo como todo o direito desta natureza, mas muito mais frequente do que se supõe, inclusive internamente.
E o que se tem discutido é se esta prevalência atinge apenas o direito de natureza legislativa (anterior ou posterior) e outro de inferior hierarquia (regulamentos, portarias, etc.) ou se este direito, dada a sua natureza, ditada pela fonte donde provém, prevalece também sobre o direito constitucional estando assim a salvo da sindicância constitucional dos Estados.
Não adianta agora voltar a desenvolver aqui a enorme polémica que esta questão levanta ( que A. Costa dá por resolvida quase revolucionariamente, dando por assente o que a UE se não cansa de rejeitar), nem tão pouco analisar em pormenor o modo como tem sido resolvida na maioria os Estados membros.
Interessa apenas dizer que o Tribunal Constitucional alemão nunca abdicou desta sua competência. Numa primeira fase, anterior a Maastricht, o TC alemão, por entender que nos tratados constitutivos das comunidades não havia normas que assegurassem o respeito pelos direitos fundamentais (direitos, liberdades e garantias), reservava-se o direito de fiscalizar as normas comunitárias que pudessem violar os direitos consagrados pela Lei Fundamental. Era a doutrina do “enquanto não houver normas comunitárias que garantam estes direitos, os tribunais alemães continuarão…”
Com Maastricht a situação começou a alterar-se em virtude de o tratado passar a fazer uma referência explícita àquelas matérias, mas com Maastricht foi também introduzido o princípio da moeda única, nos termos que dele constam. O que levou igualmente o TC alemão, quando deu “luz verde” à ratificação do Tratado de Maastricht, a declarar que tendo a Alemanha abdicado de uma parcela importantíssima da sua soberania (a emissão de moeda própria), se reservava o direito de continuar a fiscalizar constitucionalmente as normas e política da UE neste domínio para assegurar que ela se processará segundo a transferência de soberania operada, por igualmente estar em causa um direito fundamental – o respeito pelo voto dos cidadãos.
O que levou os franceses a dizer que a partir de agora os “direitos fundamentais estão no BCE”.
Prescindindo de outras considerações, o que vai dito é suficiente para se perceber que a decisão do tribunal polaco é substancialmente idêntica à do tribunal constitucional alemão. Só que a do alemão diz respeito a dinheiro e a do polaco à comunidade LGBTI, mas não sendo de acreditar que em Bruxelas, por maior que seja a importância atribuída às questões “lgbti”, elas já prevaleçam sobre as do dinheiro, mola real da União Europeia, não há razão para distinguir entre as duas situações. Portanto…

quarta-feira, 15 de setembro de 2021

A RTP E AS CONSEQUÊNCIAS DA PANDEMIA

 TEXTO PUBLICADO NO FB EM DEZEMBRO

A RTP está transformada num muro de lamentações permanente. Toda a gente se acha no direito de reclamar do Estado os rendimentos que a pandemia lhe tirou. É no Porto, é em Lisboa, é em Faro, é em todo lado onde houver um protesto, lá estará a RTP para o amplificar e lhe proporcionar o respectivo eco.
Na crise da dívida pública, consequência da crise financeira, que atingiu centenas de milhares de trabalhadores, não temos ideia de a RTP ter estado permanentemente mobilizada para dar voz aos atingidos pela crise. Nem tão pouco o Governo se detinha nestas "minudências", empenhado que estava no permanente reforço das medidas de austeridade como remédio salvifico para a superação da crise.
É provável que a esta diferença de actuação da RTP, relativamente aos protestos, não seja alheio o facto de a crise da dívida ter atingido fundamentalmente os assalariados enquanto esta, decorrente da pandemia, sem deixar de igualmente afectar os trabalhadores, afecta também, e em larga escala, os patrões, pequenos e grandes.
Ou seja, no fundo não é uma razão diferente da que leva a Chega a estar presente nestes protestos e completamente ausente nos anteriores, seja sob a forma de Chega, seja a sob a forma de qualquer um dos seus parentes próximos.
03/12/2020

A VACINA RUSSA

TEXTO PUBLICADO NO FB

Li no "Le Monde" um artigo sobre a vacina russa- Sputnik-V, que posso resumir nos seguintes termos: Tudo o que não for feito segundo a nossa (Ocidental) metodologia não merece confiança.
Isto é o que eu retiro do que li, mas estou certo de que se tivesse lido sobre o mesmo assunto em jornais de outras nacionalidades (inglesa, alemã, americana) a minha conclusão seria idêntica. Neste tipo de casos a sintonia é sempre perfeita.
As centrais de informação "ordenam" que assim se pense e a esmagadora maioria das pessoas pensará em conformidade. Tudo bem. Mas depois não nos venham falar da Coreia do Norte...
Os mais velhos (ou os que estudam estes assuntos) lembrar-se-ão que nos inícios da Guerra Fria a superioridade estratégica dos Estados Unidos era uma evidência indiscutível. Havia a bomba atómica e havia meios indetectaveis, ou com um tempo mínimo de reacção, de a transportar enquanto os soviéticos estavam muito atrasados e a sua grande força, exercitavel na Europa, era o seu numeroso exército de terra e a relativa facilidade com que poderia chegar a Paris. A Nova York, nem pensar, até que numa bela tarde Outono de 1957 (4 de Outubro) foi lançado com êxito o Sputnik... e tudo mudou. E lá se foi a inabalável superioridade estratégica facilmente varrida por um sopro de vento leste antes depreciado. E outros exemplos se poderiam dar, embora este seja de longe o mais significativo.
Por isso a prudência aconselha a esperar para ver e tirar as devidas conclusões. Logo se saberá se estamos perante uma nova "kalashnikov" no combate à pandemia, se estamos perante uma arma igual à qualquer outra ou se a vacina russa não passa de uma FBP mal concebida.
30/11/2020